por Fernando Evangelista Imagens Juliana Kroeger*
Senhoras e senhores, coroas e coroinhas, mocinhos e moçoilas, apresento a vocês, pela primeira vez na blogosfera mundial, os 10 mandamentos do mundo cão.
Para quem não sabe (sempre tem um ou outro que não sabe), meu nome é Amélie Fênix Pedreira. Sou filha da Fiona Fênix e do Pedro Pedreira, tenho quatro patas e descendo da família dos golden retriever, originários da Escócia, mas não me importo com linhagens, raças ou condição social. Quem se preocupa com essas bobagens são os zumanos, né não?
Colaboro de forma eventual com o Nota de Rodapé, blog escrito pelos zumanos, com todas as limitações zumanóides, mas que é bem-feitinho, charmosinho até. No mesmo ano de minha primeira colaboração, o blog foi eleito – vejam só – o melhor do Brasil. Isso, claro, foi apenas uma coincidência. Chega de papo-furado. Aí vão os nossos 10 mandamentos:
1º – Amar a liberdade sobre todas as coisas. Mas se você quiser amar o osso antes da liberdade ou amar as sandálias humanas antes dos ossos, sinta-se à vontade. O segredo é ser livre e ter o que mastigar. O resto dá-se um jeito.
2º – O Tempo, deus da vida, deve ser visto como um amigo e não como ameaça. Ele não se zanga, nem se vinga, nem vai separar o joio do trigo, os maus e os bons. O Tempo apenas existe, assim como existem o vento e a chuva, a bolinha de tênis e a pantufa de algodão.
3º – Os dias da semana e também o sábado e o domingo serão usados para divertimento, sagrada razão da existência patuda. Cada um se diverte como pode e como lhe der na telha, sem imposições ou remorsos. A ociosidade não é pecado, simplesmente porque pecados são invenções zumanóides.
4º – O sono é sagrado, assim como a amizade e um cobertor limpinho.
5º – Exceto nossos irmãos castrados à revelia, ninguém será casto por opção. A castidade é um desperdício de energia criadora e o único sacrilégio existente é o de reprimir desejos – porque eles, os desejos, são dádivas da criação – e tudo que existe é sagrado, inclusive os gatos, os ratos e os adestradores.
6º – Não roubar, a não ser que a meia zumanóide ou o osso do cão vizinho estejam dando sopa.
7º – Charme, dom supremo da espécie patuda, pode ser usado como forma de sobrevivência. Se você aprontar alguma, tipo cavar buracos no quintal, destruir o sofá recém-comprado e morder a parede recém-pintada, é permitido fazer aquele olhar de ternura e arrependimento, um olhar que diz, em silêncio e sem latido, algo como: “nossa, estou perplexo, como isso pode acontecer? Quem foi o patife?”.
8º – Mantenha viva a curiosidade – porque dela provém o encanto da vida, mas fique atento aos carros, às cobras e a uma fruta maliciosa chamada erva-moura, também conhecida como mata-cavalo. Eva Dog, primeira entre as primeiras, comeu da fruta e teve prisão de ventre durante toda a eternidade.
9º – Cobiçar a cadela do próximo é valido, principalmente quando o próximo estiver distante. Cobiçar o macho da próxima é valido, principalmente quando a cadela estiver no cio – e quando não estiver também. Tudo é valido, afinal.
10º – Seja sempre leal aos zumanos e os perdoe porque, apesar do polegar opositor e do telencéfalo altamente desenvolvido, eles não sabem o que fazem, nem o que dizem. Dá-lhes um pouco de afeto, para que deste sentimento nasça a possibilidade de se enxergar a vida sem tanta dor e sem tanto medo. Demonstra, com paciência e sabedoria, que o essencial – se essência existir – é ter a coragem de ser bom.
Por tudo isso, distinto zumanóide macho, distinta zumanóide fêmea, reconheça, ao menos uma vez, apenas hoje, que a expressão Mundo Cão, usada de forma pejorativa por zumanos abobalhados, não faz nenhum sentido. Por quê?
Porque mundo cão é o seu.
*Fernando Evangelista é um jornalista zumanóide. Escreve todas as terças-feiras neste espaço. Fotos e ilustrações da jornalista multimídiaJuliana Kroeger