Os urólitos de estruvita merecem grande atenção, pois são os maiores responsáveis pela Doença do Trato Urinário Inferior dos Felinos (DTUIF), uma enfermidade que preocupa na clínica veterinária e compreende de 4 a 10% dos atendimentos a gatos domésticos
Autores*
A urolitíase é uma afecção relativamente comum na prática clínica de pequenos animais e possui uma relação direta com a alimentação, tanto em sua etiologia quanto em seu tratamento e prevenção. As consequências da urolitíase podem variar desde inflamações na parede do trato urinário, que propiciam muitas vezes infecções bacterianas, até a completa obstrução do fluxo urinário podendo levar o animal a óbito. Os urólitos de estruvita merecem grande atenção, pois são os maiores responsáveis pela Doença do Trato Urinário Inferior dos Felinos (DTUIF), uma enfermidade que preocupa na clínica veterinária e compreende de 4 a 10% dos atendimentos a gatos domésticos. De acordo com estudos epidemiológicos, a DTUIF atinge entre 0,34 a 0,64% dos gatos, com vários distúrbios associados (Osborne et al, 1984).
Embora gatos com DTUIF comportem-se sintomatologicamente de forma similar, as causas potenciais são múltiplas, como infecções do trato urinário, cálculos urinários, neoplasias, fatores dietéticos e outras desordens. Entretanto, cerca de 50% das DTUIF diagnosticadas são de causa idiopática e 70% dos animais acometidos apresentam recidivas (Osborne et al, 1984). As indústrias de alimentos para gatos já têm desenvolvido dietas balanceadas para o tratamento e prevenção desta enfermidade, comprovando a importância da nutrição nos aspectos clínicos envolvidos nesta doença.
Definição e incidência
Os gatos domésticos acometidos pela DTUIF são divididos basicamente em duas categorias, sendo a primeira composta por pacientes nos quais o processo é resultante da presença de cristalúria, o que pode ocasionar obstrução uretral com tampões mucosos. A segunda categoria ocorre em ausência da estruvita, provoca inflamação do trato urinário sem formação de cristais ou urólitos (Osborne et al, 1984). Sabe-se que a maioria dos felinos acometidos pela DTUIF enquadra-se na primeira categoria, onde determinadas condições favorecem a supersaturação urinária pela presença de cristais, denominado de urolitiase. A urolitíase pode ser definida como a formação de precipitados em forma de urólitos em qualquer local das vias urinárias. Urólitos são concreções organizadas, macroscópicas, policristalinas e compostas geralmente por 95% de cristalóides inorgânicos e 5% de matriz orgânica (Campos, 2002; Case et al., 1998). São encontrados mais comumente na bexiga (urocistólitos) e na uretra (uretrólitos); já nos rins (nefrólitos) e nos ureteres (ureterólitos) respondem por cerca de 5-10% do total de urólitos (Shaw & Ihle, 1999; Grauer, 2001). Ainda que possam ter vários centímetros de diâmetro, a maioria tem o tamanho de um grão de areia (Case et al., 1998).
Um estudo conduzido por Escolar & Bellanato (2003), analisando quimicamente urólitos encontrados em gatos, revelou que 52,9% dos cálculos continham estruvita como maior constituinte, 29,4% era composto por urato de amônio, 8,8% por oxalato de cálcio e 8,8% por fosfato cálcico. Em um estudo citado por Case et al. (1998) encontrou-se que 64,5% dos cálculos presentes em gatos com doença do trato urinário inferior dos felinos continham entre 70 e 100% de estruvita. O oxalato de cálcio foi o segundo mineral mais comum, e representou cerca de 20% dos cálculos. Com muito menor frequência, foram descobertos urólitos compostos de fosfato cálcico ou urato de amônio. Os urólitos de estruvita, também denominados fosfato triplo ou fosfato amônio magnesiano, em geral estão associados a um pH urinário em torno de 6,5 e uma urina supersaturada com íons de magnésio, amônio e fosfato. Já os de oxalato de cálcio são observados em pH urinário mais ácido.
Houston et al. (2003) relataram as raças felinas mais acometidas em um estudo com 4866 urólitos vesicais (cistólitos). O Domestic Shorthair representou 68,4%, seguido por Domestic Longhair com 18,9%, Himalaia com 5,5%, Persa também com 5,5% e Siamês com 2,4%. Neste estudo foi observada maior proporção de urólitos de oxalato de cálcio (50%) em relação aos de estruvita (44%), o que tem sido observado também em outros estudos (Lekcharoensuk et al., 2005; Thumchai et al. e Kirk et al. citados por Houston et al., 2003). Essa alteração na incidência dos diferentes tipos de urólitos nos últimos anos provavelmente está relacionada com o uso de acidificantes urinários e/ou dietas restritas em magnésio no controle da urolitíase por estruvita, que são fatores predisponentes para a formação de urólitos de oxalato de cálcio (Thumchai et al. e Kirk et al. citados por Houston et al., 2003; Markwell et al., 1998).
Em gatos, variações na incidência de acordo com diferentes raças, idades, sexos e condições reprodutivas também foram relatadas (Lekcharoensuk et al., 2000). A diferença na ocorrência entre as diversas raças sugere envolvimento hereditário na formação dos urólitos (Lewis et al., 1987). A formação de urólitos de estruvita é mais comum em gatos jovens e adultos de um a sete anos, enquanto que a formação de oxalato de cálcio ocorre com maior frequência em gatos idosos de sete a nove anos (Kruger &Allen, 2000).
Segundo Houston (2003), a prevalência de urolitíase por estruvita e oxalato de cálcio mudou ao longo dos últimos 20 anos. Em um estudo realizado pelo serviço de urologia na Ohio State University, utilizando 132 gatos com sinais de doença do trato urinário inferior foi constatada a presença de urólitos em 16 gatos (oito estruvita, sete oxalato de cálcio e um desconhecido), totalizando 14,7% de incidência, sugerindo esses como os dois tipos de urólitos predominantes. Uma análise realizada em felinos no Centro de Urólitos de Minnesota em 1981 indicou uma prevalência de 78% de urólitos de estruvita e apenas 2% de oxalato de cálcio. Em 2006 essa proporção foi alterada, sendo observados 50% dos urólitos de estruvita e 39% de oxalato de cálcio (Forrester & Roudebush, 2007).
Etiopatogenia e fatores predisponentes
Existem várias teorias a respeito da patogenia da formação dos urólitos. A teoria da precipitação-cristalização sugere que uma supersaturação da urina com sais como fator primário que inicia a formação do núcleo e mantém o crescimento de urólito. Outras teorias para a formação dos urólitos sugerem que algumas substâncias na urina podem promover ou inibir a formação de cristais. A teoria da formação da matriz (núcleo) propõe que uma substância orgânica na urina promove a formação inicial do núcleo (Grauer, 2001). Habitualmente esse núcleo é um mucopolissacarídeo ou mucoproteína. O núcleo pode consistir de leucócitos mortos, fibrina, debris celulares ou bactérias aglutinadas. Outra teoria, a teoria do inibidor da cristalização, sugere que a ausência de um inibidor da formação dos cristais é o fator primário que permite a formação do núcleo inicial. Os exemplos de inibidores da cristalização são os citratos, glicosaminoglicanos e pirofosfatos. As concentrações reduzidas dessas substâncias na urina podem facilitar a cristalização espontânea e o crescimento do urólito. A extensão na qual os promotores e inibidores da cristalização estão envolvidos na patogenia da formação dos urólitos é desconhecida. Contudo, em todos os casos, a supersaturação da urina com os constituintes dos urólitos é essencial para a sua formação (Grauer, 2001).
A formação de cristais de estruvita no trato urinário requer várias condições. Deve existir uma concentração urinária suficiente de amônio, magnésio e fosfato. Além disso, essas substâncias devem permanecer no trato urinário durante um período de tempo suficiente para permitir a cristalização. Por último, e mais importante, deve existir dentro do trato urinário um pH que favoreça a precipitação de cristais. A estruvita é solúvel em pH inferior a 6,60, entretanto os cristais são formados em pH de 7,00 ou superior (Case et al., 1998).
A patogenia da formação dos urólitos de estruvita na urina estéril não é bem conhecida, contudo, a formação dos urólitos de estruvita em gatos geralmente ocorre na ausência de infecções do trato urinário (ITU), ao contrário de cães, nos quais estas infecções são importantes fatores predisponentes (Grauer, 2001). Conforme levantamento feito por Osborne et al. citado por Lazzarotto (2000) a maior fração dos urólitos de estruvita removidos de gatos são estéreis (estimado em 90-95%). A maior capacidade de concentração urinária e, portanto, maior grau de supersaturação urinária, pode ser parcialmente responsável pela formação dos urólitos em gatos e cães sem ITU. Adicionalmente, o pH urinário consistentemente alto na ausência de ITU, potencialmente causado por dietas, drogas ou alterações tubulares renais, pode facilitar a formação dos urólitos de estruvita (Grauer, 2001).
Os fatores nutricionais têm sido considerados entre as principais causas da urolitíase por estruvita. Estes fatores incluem: nível de magnésio na dieta, propriedades acidificantes dos alimentos, intervalo de alimentação do animal e balanço de fluidos (afetado pela digestibilidade e densidade calórica da dieta) (Case et al., 1998).
Os felinos são animais estritamente carnívoros, possuindo habilidade digestiva para alimentos de alto valor proteico. A urina destes animais contém grandes quantidades de amônio devido às altas necessidades e à alta ingestão de proteínas. O conteúdo urinário de fosfato também é suposto ser suficientemente alto para permitir a formação de estruvita, com independência da ingestão de fosfato. A concentração de magnésio na urina, por outro lado, é bastante baixa em condições normais e pode ser diretamente afetada pela dieta. O grau de supersaturação da urina com cristalóides calculogênicos pode ser influenciado por um aumento na excreção renal destes cristalóides, que por sua vez é observado nos casos de ingestão de dietas ricas nesses componentes minerais (Lewis e Morris, 1984). Diversos estudos demonstraram a relação entre o alto conteúdo de magnésio na dieta e a frequência de formação de cálculos. No entanto, colocou-se em dúvida o significado de tais dados devido a diversos fatores causadores de confusão nesses estudos. As quantidades de magnésio empregadas nos experimentos para induzir a formação de estruvita são muito superiores àquelas encontradas nos alimentos, além disso, a forma do magnésio (por exemplo, óxido de magnésio ou cloreto de magnésio) incluída na dieta altera significativamente o pH urinário e consequentemente a formação dos cristais de estruvita (Case et al., 1998).
Como o principal mineral envolvido no cálculo de estruvita é o magnésio (Mg), durante muito tempo acreditou-se que quanto maior a quantidade de magnésio na dieta maior a chance de desenvolvimento de urólitos, entretanto, hoje acredita-se que para evitar a precipitação dos cristais de estruvita, a manutenção de pH urinário ácido seja mais importante do que o controle de ingestão de magnésio, uma vez que os cristais de estruvita têm sua solubilidade aumentada em pH menor que 6,4 (Pitarello, 2002).
O tipo de dieta e a frequência com que o animal a recebe podem interferir diretamente no pH urinário, favorecendo ou não a precipitação dos cristais de estruvita. A proteína de origem animal é rica em aminoácidos sulfurados como cisteína e metionina, e a oxidação dessas substâncias leva a produção de urina ácida. Em contrapartida, os cereais e vegetais de um modo geral, promovem a formação de urina alcalina devido a grande quantidade de potássio e ânions inorgânicos. Assim, quando os animais são alimentados com produtos cárneos ou ração úmida enlatada, composta por derivados de origem animal, tendem a produzir urina ácida, enquanto que as dietas secas, formuladas com cereais, tendem a resultar na formação de urina alcalina (Pitarello, 2002). Funaba et al.(2004) relatou que o amido e a fibra na dieta potencialmente estimulam a formação de cristais de estruvita, portanto, a redução do carboidrato dietético é um aspecto desejável na prevenção de urólitos de estruvita. No mesmo estudo, o autor sugere que a inclusão de fibra insolúvel na dieta pode aumentar o requerimento de macrominerais em dietas para gatos devido à perda de cálcio, fósforo e magnésio ao se incluir fibras na alimentação.
Outro fator considerado de importância fundamental na produção de urina alcalina, mesmo que temporária, é a onda alcalina pós-prandial, que resulta da secreção de ácido gástrico em resposta à ingestão de alimento. A perda de ácido clorídrico é compensada pelos rins, que passam a conservar ácidos e excretar bases, o que determina a formação de urina alcalina. A alcalinização máxima da urina ocorre aproximadamente quatro horas após a ingestão do alimento e está na dependência do volume ingerido; portanto, a alimentação ad libidum, assim como a ingestão de produtos de origem animal, podem gerar onda alcalina pós-prandial de magnitude moderada, resultando em pH urinário menor ou próximo a 7,0 (Pitarello, 2002).
A vitamina A é necessária para manutenção da integridade de epitélios de revestimento e mucosas. A deficiência de vitamina A pode resultar em aumento da descamação das células epiteliais do trato urinário o que disponibiliza maior quantidade de debris para formação do núcleo central de um urólito. Embora a deficiência de vitamina A seja associada a urólitos de estruvita em ratos, não é considerada como causa ou fator predisponente na formação de urólitos em cães e gatos. Além disto, a suplementação de vitamina A não demonstrou ter qualquer benefício no tratamento ou prevenção de urolitíase em nenhuma dessas espécies (Lewis et al., 1987).
Muitos trabalhos incriminam a ração seca industrializada como a principal causadora do processo. Estudos citam que as rações secas favorecem o desenvolvimento da DTUIF mais do que as dietas úmidas porque os animais que recebem dietas secas têm o consumo total de água menor do que os que inferem as dietas úmidas, havendo consequente redução no volume urinário. Além disso, Osborne et al. (1984) relataram que a baixa densidade calórica dos alimentos secos resultaria numa maior ingestão de minerais, sendo, estas condições favoráveis ao aumento da concentração urinária de cristalóides calculogênicos. Estudos de Reche (1993) demonstram que felinos alimentados com diversas dietas (seca ou úmida), desenvolvem a enfermidade, conforme demonstrado na tabela 1.
Segundo Osborne et al. (1984), o magnésio é parte do conteúdo total de cinzas em alimentos secos e semiúmidos, porém não estão presentes em enlatados. Alimentos secos em relação aos enlatados possuem menor densidade energética disponível, maior relação Mg/Kcal, menor digestibilidade, maior concentração de fibras e ingestão total de Mg, maior volume e perda líquida fecal, logo pode reduzir o volume urinário, aumentar a concentração de Mg e de outras substâncias calculogênicas, além de aumentar o tempo de permanência.
Somente a ingestão inadequada de água não é a causa de urolitíase, entretanto se a dieta é rica em minerais, ou se existem outros fatores predisponentes, a desidratação favorece a formação de cálculos. O conteúdo hídrico da dieta comercial não é, provavelmente, um fator importante com respeito à capacidade do alimento para contribuir no volume de urina, entretanto, a densidade calórica, o conteúdo lipídico e a digestibilidade são fatores importantes. O consumo de um alimento com alta densidade energética e alta digestibilidade, conduzirá a uma menor ingestão de matéria seca total. Esta diminuição será acompanhada de uma queda do volume e do conteúdo hídrico das fezes e do aumento do volume de urina. Além disso, o aumento do volume de urina tende a elevar a frequência de micção, com diminuição do tempo disponível para a formação de estruvita (Case et al., 1998).
Tratamento e profilaxia
Os princípios gerais do tratamento e controle da urolitíase incluem: (1) o alívio de qualquer obstrução do fluxo urinário e descompressão da bexiga se necessário, (2) a eliminação dos urólitos existentes através de cirurgia ou dissolução clínica, (3) a erradicação das infecções do trato urinário e (4) a prevenção de recidivas (Hoppe, 1995).
A desobstrução normalmente pode ser realizada através da passagem de um cateter de pequeno calibre, cistocentese, deslocamento do cálculo uretral por hidropropulsão ou uretrotomia de emergência. A fluidoterapia deve ser iniciada para restaurar o equilíbrio hídrico e eletrolítico ou se existir azotemia pós-renal, ainda que qualquer obstrução pré-existente tenha sido resolvida (Grauer, 2001).
A dissolução clínica dos urólitos de estruvita, urato e cistina têm demonstrado ser eficiente, contudo, a escolha entre a remoção cirúrgica e a dissolução clínica dos urólitos nem sempre é fácil. As desvantagens da cirurgia incluem a anestesia, o método invasivo (complicações cirúrgicas potenciais), a possibilidade de remoção incompleta dos urólitos e a persistência de causas primárias predisponentes. Como a causa primária geralmente não é corrigida, a cirurgia não diminui a taxa de recidiva dos urólitos. As vantagens da cirurgia incluem a capacidade de diagnosticar definitivamente o tipo de urólito, corrigir qualquer anormalidade anatômica predisponente/concomitante (por exemplo, remanescente uracal ou pólipos na bexiga) e obter amostras da mucosa vesical para cultura bacteriana se a própria urina não produzir crescimento bacteriano (Grauer, 2001). O tratamento clínico permite a dissolução de urólitos de qualquer tamanho e localização, além de corrigir os fatores predisponentes, evitando recidivas (Osborne citado por Lewis, 1987). A principal desvantagem do tratamento clínico da urolitíase é o alto grau de participação por parte do proprietário, necessário por um período de várias semanas a meses.
As atuais recomendações quanto ao manejo dietético para a dissolução clínica dos urólitos de estruvita são (Rinkardt & Houston, 2004; Hoppe et al., 1995):
Aumentar a solubilidade dos cristalóides na urina, o que se pode conseguir mantendo o pH urinário abaixo de 6,5. Alguns exemplos de acidificantes urinários são a DL-metionina, o cloreto de amônio e a vitamina C (ácido ascórbico), entre outros. Funaba et al. (2001), em um estudo com gatos, concluíram que a suplementação dietética de 3% de DL-metionina diminui o pH urinário com consequente redução da formação de estruvita, além de diminuir o sedimento urinário. Entretanto, Case et al. (1998) relatam a possibilidade de intoxicação por metionina em níveis pouco superiores a 1-2%, preferindo, assim, o uso do 1,6% de cloreto de amônio ou uma associação de cloreto de amônio e DL-metionina.
Diminuir a concentração de cristalóides na urina mediante a estimulação da sede, aumentando deste modo o volume de urina. A suplementação da dieta com cloreto de sódio pode ser utilizada para este fim. Klausner & Osborne (1979) relataram que a administração oral de cloreto de sódio, induzindo poliúria e polidipsia, contribuiu para a diminuição da concentração urinária de estruvita.
Diminuir a concentração urinária de substratos (uréia) para a urease bacteriana através da restrição de proteína dietética. Esta medida é importante para caninos, uma vez que a grande maioria dos casos de urolitíase em felinos ocorre na ausência de infecções. Desta forma, a concentração proteica não é alterada em alimentos para gatos, visando a manutenção do pH urinário ácido através do maior catabolismo dos aminoácidos sulfurados (Lazzarotto, 2000).
Diminuir a concentração urinária de minerais associados aos urólitos de estruvita – fósforo e magnésio – através da restrição dietética desses minerais. Diversos experimentos demonstraram o desenvolvimento de cristalúria em gatos recebendo refeições contendo 0,15 a 1,0% de magnésio. Desta maneira recomenda-se utilizar dietas com cerca de 0,04% desse mineral, o que é suficientemente adequado para atender o requerimento dos felinos (Osborne et al. citado por Lazzarotto, 2000).
Dietas calculolíticas para estruvita têm sido formuladas com base nestas recomendações mencionadas. Desta forma, o mercado atual dispõe de dietas comerciais que são restritas em proteínas, fósforo e magnésio; possuem alto conteúdo de sal e resultam na produção de urina ácida. Em cães, a eficácia dessas dietas na dissolução dos urólitos tem sido confirmada em diversos estudos experimentais e clínicos controlados (Hoppe et al., 1987; Osborne et al., 1986b; Abdullahi et al., 1984). Em um estudo conduzido por Houston et al. (2004b), 31 dos 39 gatos alimentados com uma dieta comercial para gatos indicada para tratamento de urólitos de estruvita apresentaram dissolução dos cálculos em 30 dias.
O tempo médio para a dissolução dos urólitos de estruvita é de aproximadamente 12 semanas, com variação de duas semanas a sete meses, sendo a dissolução dos urólitos de estruvita estéreis geralmente mais rápida do que aquelas associadas às ITU cuja variação é de um a três meses. A dieta calculolítica deve ser fornecida por um mínimo de 30 dias após o cálculo não ser visível radiograficamente (Grauer, 2001).
As dietas calculolíticas não podem ser fornecidas rotineiramente como dietas de manutenção e não devem ser usadas durante períodos de gestação, lactação, crescimento ou após cirurgias, uma vez que a cicatrização de feridas e o desenvolvimento tecidual podem ser comprometidos pela restrição dietética de proteína (Grauer, 2001; Hoppe et al., 1987; Abdullahi et al., 1984). Abdullahi et al. (1984) relataram que a dieta calculolítica reduz a concentração sérica de ureia e albumina e aumenta a concentração sérica de fosfatase alcalina hepática. A ocorrência concomitante de degeneração hidrópica de hepatócitos indica que esta mudança bioquímica e fisiológica está associada com a restrição dietética de proteína (Abdullahi et al., 1984). Além disso, em virtude do seu alto conteúdo de sal, também não devem ser fornecidas aos gatos com insuficiência cardíaca, hipertensão ou síndrome nefrótica (Grauer, 2001; Hoppe et al., 1987; Abdullahi et al., 1984).
A eliminação de qualquer infecção bacteriana no trato urinário é parte essencial do tratamento clínico para a urolitíase por estruvita. Em alguns casos, só o tratamento com antibióticos resulta na dissolução dos urólitos por estruvita. Se a infecção estiver presente no início do tratamento, os antibióticos devem ser fornecidos continuamente durante o curso da dissolução clínica, uma vez que as bactérias podem ser liberadas do urólito à medida que se dissolve. Os antibióticos devem ser selecionados com base na cultura e sensibilidade bacteriana da urina e, nos casos de ITU grave ou persistente causada por bactérias produtoras de urease, o ácido acetohidroxâmico (AAH) inibidor da urease pode ser adicionado ao regime de tratamento.
Sempre que se tentar a dissolução clínica dos urólitos, o paciente deverá ser reavaliado no mínimo mensalmente. Devem ser feitas urinálise completa e radiografias abdominais para verificar o tamanho do urólito. Se a urinálise for sugestiva de ITU, cultura e sensibilidade bacterianas devem ser realizadas e o tratamento com antibiótico deve ser instituído ou ajustado adequadamente. Se o tamanho dos urólitos não diminuir após dois meses de tratamento, a obediência do proprietário, o controle da infecção e o tipo de urólito são parâmetros que devem ser reavaliados, devendo ser considerada a remoção cirúrgica (Grauer, 2001).
As medidas para evitar a recidiva dos urólitos de estruvita incluem a prevenção e o controle das ITU, a manutenção do pH urinário ácido e a redução da ingestão dietética de sais calculogênicos (Grauer, 2001).
Devido a grande influência do pH urinário e fatores dietéticos envolvidos na formação de urólitos, métodos de predição do pH urinário estão sendo desenvolvidos através da utilização dos dados de composição de macrominerais e aminoácidos, os quais participam da composição cátion-aniônica do alimento (Kienzle et al., 1991; Zentek .et al., 2004), oferecendo uma ferramenta para que as indústrias possam formular alimentos para animais de companhia que favoreçam um pH urinário ideal, aumentando, assim, a segurança dos produtos comerciais e, ao mesmo tempo, diminuindo a ocorrência de urólitos de estruvita e oxalato de cálcio.
*Flávia Maria de Oliveira Borges Saad, médica veterinária, MSc., doutora em Ciência Animal, professora Associada da Universidade Federal de Lavras – UFLA – DZO
Jéssica Santana dos Reis, doutoranda em zootecnia – UFLA – DZO
Rosana Cláudio Silva Ogoshi, doutoranda em zootecnia – UFLA – DZO
Carolina Padovani Pires, médica veterinária, mestre em nutrição de cães e gatos pela UFLA